- Setembro 4, 2020 -
Dei esta entrevista para a revista M em 2013 e inspirou-me tanto. Funciona como um diário. Não sei se costumam escrever as vossas ideias e inspirações. É incrível ver o que nunca muda e o que se altera ao longo dos anos. Tenho o meu diário desde os 6 anos como um tesouro e depois dos 20 deixei de o escrever. Agora percebo porquê comecei a representar e a dar entrevistas. as entrevistas são um género de diário. Assim como o blog Voltar à Terra. Assim aqui vai. Agradeço os vossos comentários, sempre.:)
A Anabela tem um percurso profissional invejável. Participou em grandes obras quer no teatro, cinema e em televisão. Deste três meios qual é o seu elemento?
Comecei a fazer teatro amador na escola mas os meus estudos iniciaram-se com 18 anos primeiro no IFICT e depois na Escola Superior de Teatro. Tenho continuado a minha formação com workshops de teatro e dança (principalmente dança contemporânea) mas é sobretudo quando faço teatro que sinto que tenho tempo para me enraizar. Ter de escolher entre teatro, cinema e televisão é ter de escolher entre três géneros que amo e que me permitem desenvolver as minhas capacidades como atriz de forma distinta e enriquecedora. Por isso prefiro e vou escolhendo os trabalhos um a um, conforme vão surgindo dentro de mim ou através dos convites que surgem. Mas tem de haver sempre nas personagem que interpreto alguma coisa que me toque, alguma coisa que me diga que vou poder oferecer algo àquela alma que se me apresenta; que a sirva a ela e à sua história. Materializar histórias e sonhos de realizadores, de argumentistas, da equipa e do público é algo muito bonito e quando isso se concretiza é uma grande felicidade.
Tem cerca de 20 anos de carreira. Se tivesse que nomear os seus trabalhos mais marcantes, quais seriam?
Prefiro nomear algumas das personagens que mais me marcaram: Teresa de Jesus; Ermesinda; Menina Graça; Sofia Fragoso; Júlia Pintadinho; Maria das Dores; Manteigui; Júlia Alves; Marta Brito; Ludovina; Francisca; Lourdinhas; Camila; Carina Matos Silva; Mariana; Virgínia; Filomena… e tantas outras…
Que lembranças tem da sua estreia na minissérie “A Viúva do Enforcado”…
“A Viúva do Enforcado” foi um trabalho muito envolvente em que tudo fluía. Mesmo as cenas mais intensas e difíceis a nível emocional ou físico aconteciam sem esforço. Uma das cenas que me lembro muito bem é a da morte do primeiro marido da Teresa de Jesus, ele agarra-lhe as pernas e cai-lhe aos pés morto. E ela fica petrificada, não o agarra, não se baixa, apenas algumas lágrimas lhe caem pelo rosto… Mas eu lembro-me de pensar que eu, Anabela, nunca reagiria assim a uma morte e de ter sentido um frio pelo corpo todo que não me deixava mover. Eu não tinha que representar nada. Tudo estava vivo em mim. “Ela”, a personagem Teresa de Jesus, servia-se de mim. Eu tinha acabado de sair da escola de interpretação, estava muito bem preparada e o trabalho não era trabalho, era puro prazer.
Atualmente podemos vê-la em “Os Nossos Dias” onde contracena com o Pedro Laginha, que também vai estar na revista deste mês. Como foi esta experiência e como foi trabalhar com o Pedro?
A novela “Os Nossos Dias” foi um trabalho muito lindo, costumo dizer que foi um curso de super mãe e de resistência também. Porque a Marta Brito é realmente uma mulher dos nossos dias, uma grande mãe, muito trabalhadora e corajosa. E a relação com o Pedro Laginha não podia ter sido melhor. A interpretação só acontece com a comunicação; só consigo conceber o trabalho de atriz através da observação do outro e da escuta porque o concebo como um trabalho de equipa. Fui uma sortuda neste trabalho. E o público é muito querido quando me aborda. Adoram a Marta e revêm-se nela. Estou muito feliz com o resultado.
É fundadora e vice presidente da Academia Portuguesa de Cinema. Como vai o cinema português? Recomenda-se? Ainda há tabus quanto à qualidade do nosso cinema?
A Academia Portuguesa de Cinema é fruto da vontade de muitos profissionais do cinema. Na génese da sua fundação está o intuito de dar voz a profissionais que normalmente são desconhecidos do público: realizadores, diretores de fotografia, montadores, chefes de guarda-roupa, maquilhadores, entre outros. E, naturalmente, aproximar o público do cinema português tentando assim derrotar velhos slogans, que continuam a ser proferidos. Incomoda-me sempre que ouço dizer que “O cinema português é uma seca!” Sobretudo quando as pessoas vêm pouco ou nenhum cinema português. É preciso ver primeiro para criticar depois. É o que tenho feito nestes últimos dez anos, em que não só vi quase todos os filmes portugueses como também me tornei sua fã. O cinema português é muito diverso e plural, e precisa de ser valorizado no seu próprio país. A Academia Portuguesa de Cinema criou os Prémios Sophia (equivalentes aos Goyas, Césares, Óscares, etc.) cuja cerimónia de entrega decorrerá no próximo dia 8 de Outubro no Grande Auditório do CCB. Será uma grande festa na qual os prémios serão entregues a profissionais do cinema por pessoas também do meio cinematográfico. Com esta cerimónia tenta dignificar-se uma profissão que, apesar da crise que impede os financiamentos, resistindo a tudo e a todos, continua a lutar por esta paixão!
Como é que lida com a crítica?
Não lido. Para mim a crítica que me interessa é a minha, a do meu marido, da minha agente, da minha família e amigos e depois do público.
Li numa entrevista antiga que se tinha divorciado da igreja católica e que se identificava com filosofias orientais. Já se encontrou nessa busca espiritual? Quer partilhar connosco quais são as suas convicções? Onde é que encontra a sua paz?
Quando a frase “Já me divorciei da Igreja Católica” saiu numa notícia, a minha madrinha disse-me: “ Mas tu nunca foste freira!” E eu ri-me, rio-me sempre quando estas frases aparecem fora do contexto, parecem sempre muito sensacionalistas e fundamentalistas. Sim, andei na catequese e fui catequista e realmente fui uma católica praticante até aos meus 16 anos. Mas neste momento sinto que não é nenhuma religião que me traz a paz interior. Todas as religiões têm coisas boas, apelam a valores profundos, só que as suas regras e limites condicionam-me. Prefiro uma aceitação da realidade tal como ela é, sem querer mudar as coisas à força. Entregar-me e realmente confiar na vida e no que ela me oferece. Essa é também uma sensação de satisfação e plenitude.
E tento refletir sobre pessoas que me inspiram. Gandhi conseguiu responder à violência através da paz e mudar o mundo com a sua capacidade de se entregar à reflexão. A sua dedicação à paz e a sua entrega total fez com que abdicasse dos seus egoísmos individuais e se entregasse a causas maiores e valores mais elevados. E também a jovem Malala que pela sua coragem e tranquilidade, aceita a possibilidade da morte para se entregar a uma causa maior. Essa aceitação dá-lhe uma sabedoria e tranquilidade inabaláveis, que ninguém com nenhuma arma pode derrotar. Acredito neste tipo de dedicação à paz.
Sei que gosta de dançar e de fazer ioga. O equilíbrio do corpo e da mente é uma máxima na sua vida?
Eu gosto de me sentir livre. Encontro o equilíbrio do corpo e da mente no amor que sinto pelo meu marido, no contacto com a natureza, na Arte, a dançar, quando estou com a família, com os amigos, quando estou a fazer yoga, a meditar, a fazer acunpunctura, a receber uma massagem, a representar, a ler, a aprender, a viajar…
E a sua felicidade? O que é que a faz feliz?
A minha felicidade fornece-me energia e inspira-me. Na pergunta anterior já respondi a muitas coisas que me fazem feliz. Fico feliz também quando tenho trabalhos que me alimentam a alma e o espírito e me fazem sentir que as minhas ações têm um propósito e um significado, seja o de entreter as pessoas, ou dar mais significado às suas vidas. Fico feliz quando as pessoas me dizem que ver-me representar lhes enche o coração, as emociona e se lembram de trabalhos que fiz muito antigos e me agradecem e olham para mim com carinho. Isso dá-me forças e faz-me pensar em como estou certa no meu caminho e nas minhas escolhas e que devo continuar a aprender e a enriquecer-me como pessoa para ter coisas belas para oferecer às minhas personagens.
A Anabela tem a imagem de uma mulher serena e de bem com a vida, é mesmo assim? Como se define?
Sou muito impulsiva e por isso procuro a serenidade. E prefiro sempre que sejam os outros a definir-me. Fico um bocado envergonhada quando me dizem para me definir. Mas posso dizer que gosto quando o meu professor de interpretação Juan Carlos Corazza me diz que sou generosa. Quando o meu marido me diz que sou bonita. Ou a minha mãe me diz que não há melhor filha no mundo. Quando as minhas amigas se riem com as minhas piadas. Quando danço e me sinto voar. Quando faço compras biológicas, reciclo e as limpezas ecológicas me fazem sentir que estou a contribuir para a minha saúde e para a do planeta. Gosto quando as pessoas me dizem “és uma atriz incrível”, ou “adoro-a” ou outras coisas ainda mais bonitas que não me atrevo a escrever. Mas que me enchem o coração de gratidão.
Quais são as suas prioridades na vida?
Amor – Traz-me a energia da vida, da existência. Não concebo a vida sem amor.
Arte – Oferece-me a energia do sublime, do sagrado e eleva-me o espírito.
Natureza – Desde a infância que as minhas férias eram passadas na aldeia da minha avó, estou habituada à força da natureza, dá-me proteção e inspira-me coragem.
Amizade – Preciso da energia da confiança, da união, da comunhão e adoro a vida em sociedade.
Relaxar – A calma para mim é fundamental.
Trabalho – Acreditar em mim, na perseverança e entrega.
Viagens – Para descobrir e despertar os sentidos.
Como se vê daqui a 20 anos?
Com o Fred e os nossos filhos. A representar e a viajar muito!
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